A história “Entre os muros da escola” acontece na periferia de Paris. Bégaudeau, professor de francês na vida real, também é o ator principal do filme baseado em seu livro.
Os professores franceses se esforçam para estimular a aprendizagem dos alunos e garantir melhoras na educação. Os adolescentes podem ser divertidos e inspiradores, mas seus comportamentos indesejáves diminuem o entusiamo dos educadores.
O filme é tão realista que chega a ser irritante! É dolorido assistir às cenas quando já vivenciamos fatos semelhantes em sala de aula e temos o sentimento de impotência diante dos acontecimentos. Ver um educador “engolindo sapos” nos massacra emocionalmente. Reconhecer as imperfeições dos professores provoca-nos a fazer uma autoavaliação profunda. A sociedade perdoa quando um profissional comete erros no tratamento humano, mas se for professor a penitência será muito maior.
Um dos professores se apresenta, dizendo: “Sou professor de tabuada e ocasionalmente, de matemática!”. Tenho sido uma estudante constante das aulas que quero dar porque recuso-me a cortar conteúdos essenciais previstos na proposta curricular. Estou cansada de ouvir que não adianta eu querer ensinar álgebra se os alunos não sabem dividir. Meu conflito é decidir se ainda ensino o algoritmo das operações básicas para quem está concluindo o Ensino Fundamental. Se depender do feedback que nossos alunos nos passam, estaremos eternamente ensinando as mesmas coisas.
O professor de francês sente-se incomodado com as representantes de turma que participam do Conselho de Classe. Elas passam a maior parte da reunião cochichando, rindo e comendo! Não dá pra negar que nesse momento faltou atitude do Conselho. Depois, em sala de aula, elas distorcem os comentários. Um dos alunos reclama porque soube que sua nota foi arredondada para 4,5 e era 4,47! Ele quer saber porque sua nota diminuiu, o que prova que sabe muito pouco sobre números decimais. Outro aluno, que de certa maneira teve seu mau comportamento defendido pelo professor, mostra-se incomodado porque foi dito que ele é limitado para a produção escrita. Nesse momento nosso peito explode em raiva pela injustiça cometida e entendemos como Madre Teresa de Calcutá alerta que a coisa mais fácil é equivocar-se.
Então o professor questiona as representantes: “Sabem qual é o papel dos representantes? Vocês não pareciam estar prestando atenção na reunião. Se comportaram como duas vagabundas!” Não preciso mais dizer que teve colega que começou a defendê-las e que elas diziam que ele estava chamando-as de vagabundas. E, que aquela aula acabou-se...
Meu Deus! Eu vivi isso! Um dia indignada disse para uma turma que não fez um trabalho solicitado: “Não gosto de aluno vagabundo!” É claro que a turma reclamou afirmando que eu os chamei de vagabundos. Tive que me retratar em ata. Eles foram vítimas e eu infeliz com as palavras. Mas antes disso, escrevi no quadro alguns significados do vocábulo vagabundo, segundo o respeitado Dicionário Aurélio: “Que leva uma vida errante. Indivíduo desocupado, ocioso. Aluno inaplicado. Leviano.” Destaco que o sentido leviano é figurativo! Certamente nunca mais falarei isso em sala de aula, mas me impedir de pensar ninguém conseguirá.
Admito que eu podia ter sido mais sutil com as palavras. No entanto, questiono se tem algum pai ou alguma mãe que pensa diferente de mim? Tem alguém decente nesse mundo que não se importa se tiver filhos vagabundos? Há algum filho vagabundo que traz alegria para as famílias por ter essa qualidade?
Muitos pais que defendem incondicionalmente seus filhos são os mesmos que na mesa de bar dizem: “Não pense que se você tiver um filho ele vai te dar um copo de água. Ele vai é te tirar um copo de água.” Ouvi isso esses dias enquanto eu caminhava pela Rua João Pessoa, no centro de Criciúma e achei a frase tão cruel. Pensei na grande probabilidade que há desse homem ter um filho vagabundo e no curso de adoção que vou iniciar.
Esse é o primeiro filme que assisto, que fala de escola sem priorizar as histórias pessoais dos alunos pobres, humilhados, desamparados pelos pais, que sofrem violência familiar, que apresentam sérios problemas psicológicos e que, em contrapartida, exibem seus talentos individuais e seus caráteres cheios de nobreza. É a realidade vivenciada pelo educador. Aqui vemos o quanto somos humanos! Somos profissionais que vivem sob a pressão de atuar na Educação de crianças e adolescentes com culturas e valores diferentes, que muitas vezes entram em choque com nossas convicções.
O filme mostra como a escola tem encontrado dificuldade para resolver seus próprios problemas e deixa muitos questionamentos sem resposta: é a arte imitando a vida como ela é. Revela, também, que mesmo nos países mais desenvolvidos a escola está abandonada pelo Estado, ilhada entre os seus muros e não atende a demanda social contemporânea.
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