A Secretaria Municipal de Educação de
Criciúma e a Universidade do Extremo Sul Catarinense são responsáveis pela organização
do evento que acontecerá no Teatro Municipal Elias Angeloni, no dia 3 de maio,
das 19h30min às 21h30min. Interessados podem inscrever-se gratuitamente no site
da Prefeitura Municipal.
Rogério Martins participará do Festival
da Matemática, no Rio de Janeiro, nos dias 28 a 30 de abril. O evento,
organizado pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) faz parte das
ações do Biênio da Matemática no Brasil. Ele também realizará uma palestra, no
dia 2 de maio, no Instituto Federal Catarinense (IFC) de Camboriú e no dia 5 de
maio, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) de São Leopoldo, no
Rio Grande do Sul.
Para assistir (ouvir) a entrevista, clique AQUI.
O matemático Rogério Martins respondeu
17 perguntas que elaboramos com a participação de colegas de profissão. A intenção
inicial era escrever uma matéria para publicar no Portal de Notícias da SATC,
com a ajuda da professora Marli Vitali. Ele respondeu enviando áudios e por
isso, resolvemos editar um vídeo para guardar os registros de todas as respostas.
São 47 minutos: decidi não cortar falas porque está direcionado aos
profissionais da área de matemática que desejam refletir sobre sua prática
através da experiência deste professor. E cada palavra dele tem seu valor!
Abaixo, segue a relação das perguntas com a essência das respostas transcritas, apresentadas no vídeo.
Há quantos anos você é professor, Rogério? Em quais
níveis de ensino atuou?
Sou professor há
20 anos. Comecei aos 21 anos na faculdade e continuo na mesma posição até hoje.
Ensinei alunos de licenciatura em matemática, de engenharia e alguns cursos de
mestrado para matemática aplicada. Essencialmente trabalhei com o Ensino
Superior e tive alguns contatos com alunos do Ensino Médio para divulgação
científica.
Você apresentou 143 episódios e sempre os encerrou
dizendo o jargão “isto é matemática”. Afinal, o que é matemática?
É uma boa
pergunta, mas difícil de responder. Costumo dizer que matemática é o que sobra
quando esprememos uma ideia real, concreta e retiramos o sumo teórico, sumo
abstrato. Poincaré dizia que matemática é a arte de darmos o mesmo nome a
coisas diferentes. O que ele quiser dizer, na minha opinião, é que é a arte de
criar pontes entre a matemática e outras coisas. Por exemplo, o triângulo de
Pitágoras é sobre triângulos, mas não é um triângulo concreto, é sobre o
triângulo que aparece na minha casa ou do engenheiro geográfico quando está a
fazer uma triangulação. Ou seja, a matemática cria pontos entre fenômenos
aparentemente desconexos.
Quais suas recordações sobre o ensino da matemática
enquanto estudante e suas percepções como professor?
Comecei a me
interessar por matemática quando estava no Ensino Superior. Enquanto estudante
eu via a matemática como uma coisa interessante, um jogo curioso, mas não era ainda
uma grande paixão. Eu gostaria, enquanto estudante, que tivessem me mostrado a
matemática como uma coisa mais aberta, menos cristalizada, que me mostrassem os
limites e como ela é vista de cima. Posteriormente tentei alterar essa visão,
como aparece nos meus programas, uma visão mais filosófica e gosto deste lado
menos exato e para mim, mais apaixonante. É uma matéria que a sociedade em
geral respeita, nos sentimos como alguém importante quando ensinamos e por isso
é muito agradável ser professor de matemática, embora cause ansiedade nos
alunos.
Você comentou que quando foi para a Universidade
tinha vários interesses. No entanto, não podia frequentar cursos, como economia,
biologia e psicologia, porque não tinha notas suficientes para passar. E, tinha
em matemática? Não era mais difícil ter notas para matemática sendo que você
não era um aluno que se destacava? Como é este processo que seleciona os
estudantes para a universidade em Portugal?
De fato eu não
era um aluno brilhante no Ensino Médio, no entanto não tinha notas ruins, não
entrei nesta competição de ter boas notas. Estudei numa província onde não era
normal terem-se boas notas e destacaram-se. Sempre tive interesse profundo
pelas matérias que estudava, embora não tivesse um hábito metódico de estudar.
O que fez com que quando eu chegasse ao curso superior não tivesse notas para
entrar em alguns cursos. E, por alguma razão a média de matemática era muito
baixa e era uma das possibilidades que eu via para fazer uma carreira. Essa
seleção era baseada basicamente nas notas do Ensino Médio e nos exames finais,
talvez o correspondente ao vosso ENEM. A partir daí, comecei estudar mais muito
a sério, seguir uma carreira de investigação e depois de divulgação da ciência
baseada na matemática.
A disciplina que você mais gostou quando cursou o
secundário (que corresponde ao Ensino Médio no Brasil) foi Filosofia. Nosso
país está realizando a reforma do Ensino Médio e Sociologia e Filosofia passam
a ser disciplinas não obrigatórias. Qual sua opinião sobre a importância da
filosofia na formação de jovens?
A minha
disciplina preferida era filosofia e acho que gosto de matemática porque ela é
uma forma de ver o mundo, é como se fosse um tipo de filosofia muito
específico, que tem contornos e fronteiras bem delimitadas. É um tipo de
filosofia que tem bases sólidas, enquanto é normal em filosofia as perguntas
ficarem sem respostas. Para mim, é sempre difícil dizer com segurança se
filosofia tem de ser uma das disciplinas obrigatórias e fundamentais. Se estas
ideias que são de certa forma vinculadas à cadeira de filosofia acabarem por
ser passadas em outras disciplinas, pode ser que não seja tão mau. O que acho
que deve ser interessante é darmos essa criticidade de olhar o mundo, que na
prática, a matemática deveria fazer este papel.
Por que você afirma que a matemática é uma filosofia
de vida?
Gosto de ver a
matemática para além das contas. É uma forma muito racional de ver o mundo. Ela
como se fosse uma filosofia com ferramentas bem mais concretas e que tem um
conjunto de ideias que fazem parte do conhecimento humano e que auxiliam na
tomada de decisões. Muitas vezes não percebemos, mas tudo o que aprendemos na
escola, embora não se apresente de forma explícita, mas implicam nas nossas
escolhas. É uma bagagem intelectual que nos molda e ajuda a definir as opções
na nossa vida.
O que você sabe sobre o ensino da matemática no
Brasil?
Não sei muito,
mas o que sinto é que no Brasil há mais assimetria, ou seja, não é tão uniforme
no Brasil. Em Portugal é mais uniforme, o que não é surpreendente, dados o
tamanho dos países. Na minha área de investigação que é sistemas dinâmicos, o
Brasil é extremamente forte. O último premiado com a Medalha Fields é
brasileiro e isso é uma prova que o ensino da matemática tem dados seus frutos
no Brasil.
No Brasil, percebemos que muitas professoras (raros
são os homens que atuam, especialmente, no Magistério com Anos Iniciais)
escolheram fazer Pedagogia porque não gostavam de matemática. Estes professoras,
no entanto, precisam trabalhar conteúdos matemáticos básicos e essenciais para
estudos futuros. Isso acontece em Portugal? Quais são as consequências para o
ensino da matemática?
Em Portugal
também acontece, muitas vezes as pessoas desviam da matemática para a área de
pedagogia porque ela as assusta. Isso é um pouco estranho quando estas pessoas
vão ensinar matemática porque se elas se afastaram é porque tem um sentimento
negativo e certa ansiedade, que muitas vezes é transmitida aos alunos de forma
implícita e não verbal. Podemos tentar achar uma forma de aliviar esses
problemas, se as pessoas gostam de ensinar tem seu valor. É importante que
tenham uma boa formação pedagógica e uma sólida formação em matemática, que não
precisa ser avançada, mas que as deixem confortáveis para ensinar.
Você considera que a matemática é difícil de ser
aprendida? Por que?
Normalmente as
pessoas vêem a matemática como um assunto difícil e é justificável. Mas não é
isso que provoca todo o problema porque há muitas outras coisas difíceis que as
pessoas aprendem, como tocar um instrumento musical. A matemática é difícil,
abstrata e um pouco árida. Nós humanos não fomos feitos para a abstração, essa
capacidade é recente na nossa história, o que faz com que seja difícil lidar
com conceitos altamente abstratos. Há formas de contornar o problema porque ela
pode ser ligada ao real, por um lado, e por outro podemos aumentar a motivação
e experimentar o sucesso dos nossos alunos.
Alguns dos seus alunos são estudantes de
engenharia e outros de matemática. Você já comentou que seus alunos de
engenharia são mais críticos e participativos que os de matemática. O que
acontece para que haja esta diferença de perfil?
É uma
pergunta curiosa. Os alunos de engenharia estão mais habituados a trabalhar com
problemas práticos. Quando trabalhamos com problemas práticos temos que ser
crítico porque a ciência tem que bater certo com a realidade. A outra razão,
pela minha experiência, é que os estudantes de engenharia passam pelo
departamento de matemática para fazer os cursos iniciais e depois acabam por
não tem mais contato com estes professores. Os alunos de matemática a sentem
como uma coisa mais central em suas vidas. Os alunos de engenharia sentem-se
mais a vontade para ser mais desafiadores e irreverentes com os professores.
Sua vó portuguesa pensa como as nossas avós
brasileiras quando diz que “quem é bom em matemática, é bom em todas as áreas”.
Por que você acredita que nossas avós estão erradas?
Minha avó tinha
essa ideia de que a matemática era um teste da nossa capacidade para fazer
quase tudo. Se a matemática é difícil, quem é bem sucedido supostamente consegue
ultrapassar qualquer outra barreira. Estou convencido que não. Quando muito
existe uma relação que tem a ver com a matemática que é um assunto difícil,
quem tem uma capacidade de concentração e uma motivação intrínseca para estudar
e sendo bem sucedido nele, acaba tendo essa mesma perseverança para dedicar a
qualquer outro assunto. Portanto, na prática existe alguma correlação entre
quem tem sucesso em matemática e em outras áreas, mas não é propriamente porque
esta disciplina seja um teste. O mesmo poderia ser dito em relação à musica.
Quem toca um instrumento musical pode fazer qualquer outra coisa porque mostra
perseverança e vontade. Temos um lado mais racional que a matemática explora,
mas há outros lados do nosso cérebro que são úteis e essenciais, como a parte
emocional e de sensibilidade artística. Essa ideia de que a matemática é um
teste derradeiro para saber se a pessoa vai ter sucesso na vida é perigosa e má
porque geram ansiedades quando a estudam. Se tirarmos esse peso, ela será vista
com mais simpatia e terá menos pressão.
Uma frase polêmica sua é que “a escola deve ensinar
o que não sabe”. Explique melhor sua afirmação.
É uma afirmação
propositalmente polêmica. A ciência nos permite fazer coisas extraordinárias,
mas não quer dizer que não tem seus limites. Não temos consciência disso,
ignoramos estes limites que estão mais perto do que imaginamos. Conhecer isto
torna as ciências mais humanas. Pensa-se que a matemática já descobriu tudo,
que não há mais investigação, o que é exatamente o contrário. Os alunos deviam
acabar o seu percurso de ensino, sabendo o que sabemos e também aquilo que
sabemos que não sabemos.
Quais os avanços conquistados no ensino da
matemática? Quais mudanças são necessárias para atender as exigências do mundo
atual?
Quando comparo a
forma que se ensinava matemática quando eu era estudante e agora percebo uma
diferença tremenda. Atualmente somos muito mais eficientes, os professores são
mais dedicados e fazem constantes cursos de formação para se atualizarem. Acho
que os alunos devem ter uma visão mais distanciada da matemática, não estarem
tão imersos em cálculos e tentar ter uma perspectiva mais abrangente. Muitos
não concordam comigo porque que estamos perdendo um pouco este lado exato e
objetivo da matemática, mas por outro lado ganhamos.
Qual é a história do Programa Isto é Matemática?
Como surgiu? Quantos episódios? Como eram escolhidos os temas? Qual foi a
repercussão? Quais as conseqüências do programa em sua vida profissional?
A história é
longa. O programa começou com o professor Nuno Crato que mais tarde foi nomeado
para Ministro da Educação de Portugal. Foram 11 temporadas de 13 episódios
cada. Eu escolho 99% dos temas e o critério que uso é encontrar algo que seja
interessante para os cidadãos comuns e pequenas ideias que podem ser apreciadas
por pessoas que não tem formação específica na área. A repercussão foi razoável,
superou expectativas. Conquistamos uma fatia do público que não gostava de
matemática. Na minha vida profissional passei 15 anos como cientista e tive que
me preocupar mais com a comunicação de ciência.
O programa é dinâmico, gravado em lugares e prédios
encantadores e precisa passar o conteúdo matemático de forma rápida. Quais as
experiências mais interessantes que este programa lhe proporcionou?
São tantas. Cada
programa tem uma história. Gravamos na rua e as pessoas interagiram. Fomos os
aos bastidores de um cassino, subimos os pilares de uma ponte de Lisboa e estivemos
em bancos.
Por que você se dispôs a fazer uma palestra gratuita
em Criciúma? Quais suas expectativas em relação ao público?
Todas as
palestras que vou realizar no Brasil, eu não vou cobrar, porque é uma
oportunidade de mostrar meu trabalho. Na verdade, todos os custos das minhas
viagens estão sendo pagos pelas organizações. É um prazer poder conhecer, neste
caso, o sul do Brasil. Sinto grande prazer de ter contato direto com o público.
Minhas expectativas são altas e espero que quem se dispor a ouvir a palestra se
divirta e que goste de fato.
Fale o pouco mais sobre as experiências e
reflexões que o levaram a ter como lema que “é melhor gostares do que fazes do
que fazeres o que gostas”.
Este é um
pouco me lema de vida. Não pretendo desmotivar as pessoas a perseguirem seus
sonhos. A maior parte das coisas acontece por acaso, são pequenas coincidências
que mudam completamente nossa vida e é importante que aprendamos a apreciar
esses futuros que ela nos dá. Qualquer atividade tem um lado agradável.
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