Comecei a trabalhar como professora, aos 20 anos. Era uma escola multisseriada, localizada na Linha Frei Rogério, em Concórdia. Eu levantava cedo, ia para a parada de ônibus pegar o transporte até a localidade distante 18 quilômetros do centro.
Naquela época eu dava aula para as quatro turmas dos Anos Iniciais, ao mesmo tempo. Quatro fileiras de carteiras, uma série em cada uma. Eu também limpava a sala, os banheiros e a cozinha. Eu preparava o lanche. Ia para a quadra de concreto descoberta dar as aulas de Educação Física. Também preparava a terra, os canteiros e as mudas das hortaliças que cultivávamos na horta. Alguns fins de semana jantei, dormi e almocei na casa dos alunos porque nossos coordenadores diziam que devíamos conhecer de perto a realidade deles. Visitei a escola recentemente, o quadro negro ainda está lá, mas a estrutura física está em ruínas. A sensação que tenho quando olho para o passado é de que apesar das múltiplas funções sem hora-atividade, era mais fácil dar conta das responsabilidades.
Quando comecei a trabalhar à tarde, comia arroz com ovo ou pão com salame, e partia para a outra escola. Andei de ônibus por 25 anos até conseguir comprar um carro.
Trabalhei sete anos em Concórdia. Queria sair de lá. Apresentei um trabalho numa Feira de Matemática, em Blumenau. Lá conheci um professor que me falou de um processo seletivo que havia na SATC e do atraente salário. Aproveitei a viagem e fiz o concurso público da Prefeitura de Criciúma. Consegui a vaga onde eu não esperava porque diziam que os aprovados eram cartas marcadas, ou seja, os concursos não eram transparentes. Fiquei bem classificada na prova, despenquei na lista porque não enviei os cursos em tempo. Mesmo assim ouvi da funcionária Magnólia que eu estava dentro. Decidi me mudar, sem conhecer a cidade e sem ter lugar pra morar.
Na fila da escolha de vagas conheci a Ana Fortunato. Lembro que conversar com ela me fez bem. Quando perguntaram qual escola eu queria, respondi: Qualquer uma, não conheço a cidade. Para tentar me ajudar, perguntaram onde eu morava. Respondi: Em lugar nenhum! Fui designada para a escola Marcílio Dias de San Thiago. No portão da escola havia um cachorro magrelo, os vidros estavam quebrados, se fala muito em gangues e a secretária Valdete não me atendeu direito porque estava triste com a decisão da filha de morar na Itália. Fui chorar na sala dos professores. Ela foi saber o motivo do desespero e no mesmo dia acolheu uma estranha por mais de um mês em sua casa. Foi assim, minha chegada aqui.
Trabalhei também na escola Hercílio Amante antes de chegar ao Bertero, onde sosseguei por mais de 15 anos. E, neste lugar, encerro meu ciclo com a Educação de Criciúma.
Levo as lembranças das formações continuadas, dos eventos no Teatro Angeloni, dos dias de leitura e pesquisa na Casa do Professor, dos campeonatos de cubo mágico, dos torneios de Othello, do trabalho encantador realizado nos Clubes de Matemática, das experiências com o Geogebra, das feiras de matemática, das dores causadas em Conselhos de Classe, da minha indignação com os processos que estão acabando com a nossa humanidade e a revolta com o desmantelamento do profissionalismo, dos dias de luta ao lado do sindicato, do período que fui coordenadora de matemática, das dificuldades de enfrentar as redes sociais e o descaso desta geração com o conhecimento que pode nos elevar, os choros e as comemorações com as conquistas dos estudantes, das falas sobre as famílias, dos abraços acolhedores dos colegas, dos resultados em olimpíadas de matemática e das reflexões sobre os erros e acertos. Toda esta bagunça se organizada em minha mente com sentimentos inexplicáveis.
O que aprendi de mais importante nestes anos todos? É que a primeira pessoa que merece nossa caridade, somos nós mesmos. Se cada um se cuidar melhor, estará preparado para ajudar o mundo. É por isso que subo serra, tomo banho em cachoeira, faço exercícios tibetanos e natação, guardo mais dinheiro para viagens do que para sapatos e roupas, frequento a Mahikari porque cuidar do lado espiritual traz a paz no coração, procuro estar mais com as pessoas importantes na minha trajetória terrena, não faço comentários polêmicos em redes sociais e continuo estudando. Em breve, estarei fazendo estágio no Tribuna de Notícias e já estou escrevendo meu projeto final de curso no jornalismo tratando dos Balseiros do Rio Uruguai.
Hoje não vou falar dos fracassos. Talvez eu devesse, para não parecer que quero ser exemplo de uma pessoa que deu certo. Mas, no fundo acredito que Deus me pegou no colo e por isso estou saindo da Educação com a certeza de que fui abençoada pelas vozes que me cercaram nestes anos todos. Muito obrigada!
Nenhum comentário:
Postar um comentário